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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Verdades e mitos dos juros da dívida, parte 1 - Até o Tijolaço escorregou nesta casca de banana.



O excelente Fernando Brito, do blog Tijolaço, com a justa indignação de criticar o peso dos juros da dívida no Orçamento da União comparado ao orçamento social, acabou de escorregar em uma casca de banana que eu também já escorreguei muitas vezes.

Brito escreveu uma nota onde diz "Juros: oito vezes os gastos com a Educação, seis vezes mais que com a Saúde", usando como número R$ 655 bilhões para "pagamento de juros, amortização e outros encargos", segundo ele. Está errado, e essa confusão é comum entre os militantes do PSOL (não é o caso de Brito). Esse bicho é feio, mas não é tão grande como pintam.

Os R$ 655 bilhões é refinanciamento. Equiparar ao pagamento de juros da dívida é tão errado como se alguém dissesse que o Brasil ganharia R$ 655 bilhões de presente dos banqueiros e investidores, pois é o valor que também aparece na coluna de receitas do Tesouro Nacional pelo dinheiro que entra neste refinanciamento. Estes números se anulam, sem diminuir, nem aumentar a dívida, nem o gasto público real. É despesa contábil de um lado e receita do outro, que zeram.

De pagamento de juros (e é esse o dinheiro gasto de fato, que gostaríamos que fosse para educação e saúde), o orçamento de 2014 prevê R$ 189,5 bilhões. Parte desse valor volta ao Tesouro Nacional, com o Imposto de Renda Retido na Fonte sobre o rendimento das aplicações feitas no Brasil e IOF. Então o número líquido que sai do Tesouro de fato é menor. Ainda é muita coisa, mas é um número bem menor do que os 655, e do que era no passado, proporcionalmente ao PIB e ao orçamento.

Considerando uma previsão de inflação de 5% para 2014, cerca de R$ 100 bi destes juros seria para compensar a inflação, sobrando de juros reais R$ 89,5 bi (menos do que isso, na verdade, pois não computamos o que volta ao Tesouro pelo IRRF e IOF). Ainda assim é muito, mas o valor é praticamente o mesmo do que vai para a educação (R$ 81,3 bi) e não oito vezes mais, como disse Brito. E é menos do que os R$ 106 bi que irão para a saúde.

Outros R$ 147,8 bilhões estão previstos em 2014 para amortização, ou seja, pagar a dívida sem refinanciá-la, reduzindo-a. Esse número também entra na disputa de verbas com a saúde, educação e programas sociais, mas não é juros, pois a dívida fica quitada, melhorando as finanças e, com isso, abrindo espaço para investir mais na saúde, educação, etc, nos próximos anos.

Mas vale a discussão: não seria melhor refinanciar também este valor? Suspeito que o motivo desta escolha seja justamente para pagar menos juros, principalmente a médio prazo. Se não amortizasse nada, a conta de pagamento de juros seria bem mais salgada com o correr do tempo.


O Ministério do Planejamento tem um "site" para a gente consultar tudo sobre o orçamento da União que destrincha estes números, e tem a revista em PDF (18,3 MB) "O orçamento ao alcance de todos" com dados em linguagem e formato mais acessível para leigos, .

Resta a pergunta: Afinal de contas, não teria jeito de deixar de pagar esse valor de juros e direcionar todo o dinheiro para a saúde, educação e programas sociais?

Não sou economista, por isso não me peçam para explicar a rebimboca da parafuseta, nem para decifrar palavrões como "agregados monetários M1, M2, M3 e M4", e esse tipo de economês, porque não sou a pessoa certa. Mas posso compartilhar algumas informações que foram úteis para entender um pouco essa caixa preta e que acho boas justamente para leigos em economia, como eu.

Na economia doméstica do cidadão comum, se a gente tiver uma dívida e suspender o pagamento, nosso nome vai para o SPC, mas o dinheiro do nosso salário continua ali disponível para a gente remanejar para uma necessidade emergencial, como um imprevisto na saúde.

Na macroeconomia dos governos isso não acontece. O dinheiro que deixa de ser pago através de uma moratória, em grande parte, simplesmente desaparece automaticamente pelos efeitos provocados na inflação, no câmbio, na queda da oferta de crédito, e o resultado é o menor crescimento, inclusive com menor arrecadação de impostos para investir nas áreas sociais.

Na economia "moderna" (desde o surgimento dos bancos na idade média), dinheiro é dívida também. As próprias dívidas formam o lastro que garante o valor da moeda. Não é mais barras de ouro equivalente à quantidade de cédulas circulantes, como era no passado. Se dívidas públicas do estado não são pagas, o dinheiro não sobra, ele "evapora", de uma forma ou de outra.

Do jeito que a economia funciona hoje, deixar de pagar os R$ 190 bi juros equivaleria a fazer o truque de mandar a Casa da Moeda imprimir cédulas a mais até o valor de R$ 190 bi para pagar os juros. Emissão de dinheiro sem lastro na economia real acaba com a credibilidade da moeda, gerando inflação alta, o que anularia qualquer aporte de dinheiro a mais para saúde e educação. A verba poderia parecer maior no número, mas teria um poder de compra menor. Compraria menos material escolar, menos remédios, vacinas e atendimentos para o SUS, e remuneraria pior os servidores públicos, pela desvalorização da moeda.

O excelente filme de animação acima, feito por um artista ativista canadense (que não é economista), explica didaticamente isso, como uma introdução ao assunto para leigos. Vale a pena ver, quem ainda não viu. Ajuda a compreender como funciona o dinheiro.

E para quem está achando que este meu texto é meramente para justificar "ortodoxias" econômicas conservadoras, está enganado. Prestem bem atenção nas sugestões de transformações no fim do filme. Será assunto para o próximo capítulo desta nota.

8 Comentários:

José Neto disse...

Olá, eu acompanho o seu blog e vários outros como o viomundo que tem postado questões referentes à dívida pública, segundo Maria Lúcia Fatorelli se nossa dívida fosse auditada, praticamente em torno de 70% dela desapareceria. A pergunta que fica é: Por que não fazemos uma auditoria séria como foi feita no Equador por Rafael Corrêa e tiramos a teta dos banqueiros que recebem bilhões em juros de dívidas, muitas delas que nem existem???

OLHO VIVO disse...

MEUS CAROS HELENA e ZÉ AUGUSTO: por favor nos expliquem então por que a nossa economia cresceu pouco (2,3%) e também o por que da precisão p/ 2014 é de apenas 2%. Ora, se estamos pagando direitinho nossa dívida, se a inflação tem ficado dentro do limite, nunca extrapola, qual o motivo p/ crescermos tão pouco ano que vem??? Joguem luz em minha ignorância, por favor. Obg, e um 2014 de VITÓRIAS p/ vcs, nós LULILMA e todo BRASIL.

Regina disse...

Não tenho procuração para falar em nome do Tijolaço, mas posso dar minha opinião a respeito. Também não sou economista de formação, mas leio muito a respeito. O Tijolaço não escorregou no assunto abordado. Contrariamente à justificativa utilizada no artigo acima, a própria "CPI da Dívida comprovou taxativamente que a chamada “Rolagem” da dívida ou Refinanciamento não significa mera novação ou troca de títulos, pois nessa rubrica está embutida a parte significativa dos juros nominais referente à remuneração da atualização monetária calculada
pelo IGP M,".
Sugiro que os interessados no assunto leiam o artigo do site da auditoria cidadã, que vem trabalhando nessa questão já faz muito tempo. Tanto no site como no artigo encontraram excelentes informações a respeito:

http://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2012/04/Numerosdivida.pdf

Zé Augusto disse...

Olho Vivo, acho que crescer acima de 2% quando o mundo está em crise e com quase pleno emprego em um país que tem democracia como o Brasil não é mau negócio, para um ano como 2013.
1) A própria China que crescia acima de 10% ao ano, prevê crescer 7,6% em 2013. Hoje a China é a locomotiva do mundo e afeta todos: a Argentina, a Venezuela, toda a América Latina. Esses países também não estão tendo um ano tão bom como os anteriores e são importadores do Brasil que estão importando menos.
2) A China cresce mais do que o Brasil por que tem muita mão de obra qualificada, forma muito mais engenheiros do que qualquer outro país, mas também tem outro fator que é não ter a democracia que temos aqui. Lá não tem liminar na justiça para paralisar obras, não tem direito de greve, não tem tanta licença ambiental como aqui, não tem direitos trabalhistas universais, os salários são bem mais baixos. Enfim as liberdades democráticas tem um preço também. Nenhum país democrático tem condições de crescer tanto quanto outros sem democracia.
3) Foi um ano de transformação e ajustes no setor de Petróleo, com velhos campos decrescendo a produção, e novos campos entrando em produção. A produção de petróleo foi baixa neste ano, inclusive com muitas plataformas parando para manutenção preventiva (em compensação isso não será necessário se repetir em 2014), mas foi um ano de muito investimento com novas plataformas sendo entregues para entrar em operação a partir de 2014. O setor vai crescer muito em 2014 até 2020 e tem um grande peso no PIB.
4) Acho que Dilma procurou (e conseguiu, em parte porque o grande empresariado brasileiro é meio acomodado ainda) ajustar o perfil do crescimento, equilibrando consumo com oferta (investimentos). Isso aparecerá como resultado nos próximos anos. Posso estar enganado, mas acho que 2014 haverá maior crescimento do que em 2013, pois países da Europa e os EUA dão sinais de recuperação, o que melhorará nossas exportações no comércio mundial, a rodada de Doha na OMC foi destravada, tem muita coisa para inaugurar no Brasil em 2014 que melhora a infraestrutura e competitividade, as recentes concessões obriga os concessionários a investirem bilhões, a produção de petróleo e a indústria em torno dele vai crescer muito. E continuando tendo emprego e aumento salarial, o crescimento do mercado interno também ocorre. Depois da "marolinha" de 2009 ninguém imaginava que o Brasil cresceria 7,5% em 2010 e cresceu. Vamos ver. Abraços.

Zé Augusto disse...

Regina, o Tijolaço dessa vez errou sim. Olhe o art. 2 da Projeto de Lei do Orçamento da União 2014:
http://www.orcamentofederal.gov.br/orcamentos-anuais/orcamento-2014/ploa/Texto%20do%20Projeto%20de%20Lei

Art. 2o. A receita total estimada nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social é
de R$ 2.361.984.347.823,00...

Destes 2,3 trilhões de receita, olhe como está dividido:

I - Orçamento Fiscal: R$ 1.066.252.289.590,00

II - Orçamento da Seguridade Social: R$ 640.985.111.164,00

III - Refinanciamento da dívida pública federal: R$ 654.746.947.069,00

O item III é a receita dos 654,7 bilhões da dívida rolada. Confundir esse valor com pagamento de juros é tão errado como confundir a entrada deste mesmo valor de receita com o dinheiro recolhido de impostos.

Quanto à CPI da dívida, esse texto da Maria Lucia Fattorelli está terrível de compreender o que ela quer dizer com isso. Li dez vezes e não consegui entender, nem para criticar, nem para me convencer se eu estivesse errado.

Eu suponho que a CPI deve ter dito que ao rolar a dívida, para ela não crescer, deveria amortizar o valor equivalente ao IGPM todo ano, porque senão a cada ano que rola só os títulos que vão vencendo, a dívida vai aumentando. Mas isso é suposição minha porque não vi o relatório desta CPI para dizer. De qualquer forma, todo início de ano o Ministério da Fazenda publica o PAF (Plano Anual de Financiamento da Dívida Pública) com todas essas considerações, e a dívida crescer em valor absoluto não é nenhum drama, desde que mantenha uma boa relação Dívida/PIB e as despesas com a dívida não cresçam sempre acima da arrecadação, senão vira bola de neve.

Observe que eu computei no meu texto essa remuneração da atualização monetária calculada pelo IGP-M (inflação prevista de 5%) como cerca de R$ 100 bilhões em 2014 (sobre a dívida total de cerca de R$ 2 trilhões), e esse valor está embutido dentro dos R$ 189,5 bilhões de pagamento de juros de fato. Não fiz nenhum truque. Abraços.

Zé Augusto disse...

José Neto, até onde eu entendo, o que a Maria Lúcia Fatorelli propõe só funcionaria no Brasil trocando todo o sistema bancário primeiro de privado para estatal, e mesmo assim dependeria de alianças internacionais para ter apoio externo, que hoje não existe. Moratória tem prós e contras (senão até os EUA declarariam moratória perante a China, maior credora dos EUA). Resta saber se daria para ganhar mais do que perder no caso brasileiro. Creio que Lula fez essa avaliação em 2003 e viu que o Brasil ia cair na mesma vala da Argentina que quebrou em 2001, levando toda a América do Sul para o buraco por décadas. Toda moratória traz mais sacrifícios imediatos (desemprego, recessão, quebra de empresas, boicote a exportações, falta de investimentos para infra-estrutura) para colher daí a 15 ou 20 anos. Lula não tinha 20 anos de mandato, só tinha 4. Se tivesse feito a escolha errada, o presidente eleito em 2006 seria José Serra, pois durante o primeiro mandato de Lula haveria só o efeito dos sacrifícios sem tempo de colher benefícios. Imagine como estaríamos hoje se isso acontecesse. Só para lembrar, o PMDB na década de 80 defendia a moratória. Sarney fez em 1987, e não houve benefício nenhum colhido com isso. No Equador, o quadro era outro. Lá 40% do PIB é exportação de petróleo, absorvido pela China. Em 2008 o mundo já estava sem crédito mesmo por causa da crise internacional, e Rafael Correa aproveitou esse momento. Lá nem tem moeda soberana, a moeda oficial é o dólar dos EUA, logo a moratória não afeta o câmbio nem a inflação. E não houve redução de 70% do total da dívida coisa nenhuma, houve de 70% apenas sobre uma pequena parte da dívida (36% do valor da dívida foram contestados). A redução real sobre o total da dívida foi de 25%. Gosto do Rafael Correa e o apoio como um governo progressista da America Latina, mas tenho dúvida se ele lucrou com isso, porque antes da moratória a dívida do Equador era US$ 10,6 bi. Hoje a dívida é US$ 17,9 bilhões. Ou seja, a dívida diminuiu no ano seguinte, mas disparou depois, então a moratória foi um voo de galinha. Gostaria que a Fatorelli explicasse isso para a gente poder entender. Ela só mostra o bônus, mas não explica o ônus. É bom para fazer promessa de campanha do PSOL, mas sem nenhum compromisso com o emprego e a renda do cidadão trabalhador que pode pagar a conta do que der errado.

Antonio Carlos (actcordeiro@uol.com.br) disse...

Prezado Zé Augusto, e como você nos explicaria as operações que o governo realiza com as Leaders e as de Swap cambial? Não estaria aí um dos porque de a cada ano, a nossa dívida pública aumentar em valor absoluto, mesmo nos períodos em que o Dólar se desvalorizou diante do Real?.

Antonio Carlos (actcordeiro@uol.com.br) disse...

Caro Zé Augusto. Para acabar de vez com esta discussão, de quem tem ou não razão com relação as análises realizadas sobre a dívida pública brasileira e esclarecer de vez para toda a população, não seria o caso do governo se empenhar para fazer esta AUDITORIA? Afinal de contas, queiramos ou não, é reservado, só para pagamento de juros e amortização desta dívida, uma fatia equivalente a 50% do Orçamento Anual da União.

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